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Pai,

15.02.14

lembro-me do primeiro dia em que me foste levar à escola. Paraste o carro mesmo em frente à rampa que dava acesso à escola e sorriste-me. Eu tremia por todos os lados. Passaste-me as mãos pelos cabelos e deste-me dois beijinhos. Nunca foste um homem de grandes palavras, mas naquele teu silêncio eu senti conforto e protecção. Como se, silenciosamente, me tivesses dito "Eu estarei sempre aqui." Saí do carro e subi a rampa de acesso à escola. Tinha uns seis anos. Tu continuarias a fazer sempre aquele desvio durante os meus quatro anos na escola primária da aldeia, e continuarias a fazê-lo, sempre que necessário, quando fui para a escola da cidade. Lembras-te do nosso programa preferido de domingo à tarde? Lembras-te de irmos assistir a todos os jogos de futebol dos regionais? Às vezes até nos perdíamos pelo caminho, tais eram os atalhos que dizias conhecer. Ainda hoje continuamos a vibrar com um bom jogo de futebol e com uma boa discussão. Uma vez levaste-me ao estádio para assistir a um jogo do Sporting. Tu que és o maior benfiquista que conheço. Fiquei com uma lágrima ao canto do olho e soube que aquela era uma das traduções possíveis para o amor. Tu que és o maior benfiquista que conheço, foste comigo assistir a um jogo do Sporting com uma equipa qualquer que já nem existe. Foi contigo que aprendi também um pouco de política. Sempre achaste que esse não era um assunto exclusivo dos homens, e que as mulheres tinham um papel importantíssimo nas decisões políticas. Foi contigo que ganhei este gosto pela política e pelos debates televisivos. Lembro-me do Natal. Ias sempre comprar as prendas na tarde do dia vinte e quatro. Sabes como isso deixa a mãe furiosa, não sabes? Mas nunca voltavas para casa de mãos a abanar. E sabes que mais? Às vezes achava que não prestavas muita atenção àquilo que dizia ou àquilo que pedia pelo Natal, mas o certo é que trazias sempre a prenda que eu mais queria.

As circunstâncias da vida obrigaram-te a emigrar. Hoje não nos vemos todos os dias, já não discutimos política nem futebol com o mesmo ênfase que outrora. A vida tem destas coisas, não é? De repente a casa ficou mais vazia e o teu lugar no topo da mesa nunca mais foi ocupado. O teu telemóvel nunca mais voltou a tocar. E já não é o som do teu carro que eu ouço do meu quarto. O skype, dizem-me, é quase como se estivessem juntos. Porra que não é! Só quem não sabe o que é amar verdadeiramente um pai é que pode dizer isso. Só quem não tem um amor como o nosso o pode afirmar. Sabes, eu conto os dias que faltam para te voltar a ver, para te poder abraçar e para controlar uma lágrima que teima em saltar-me dos olhos (os olhos da cor dos teus!) Sei que nunca tivemos grandes conversas, mas o teu silêncio... o teu silêncio eram as melhores conversas que podia ter. Foram os melhores ensinamentos que poderia ter tido. Acho que fui aprendendo a ler o teu olhar. 

Pai, o tempo vai passando e a distância teima em não diminuir. Vou aprendendo a lidar com a saudade, mas tenho medo. Aquele medo que senti quando fui para a escola pela primeira vez. Era um medo do desconhecido, do vazio, dos tempos. Tenho medo que um dia se apaguem as nossas conversas - as verbais e as não verbais - e que te possas esquecer de tudo aquilo que passámos juntos. 

Pai, não te quero perder!

Da tua filha.

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1 comentário

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De Lolita a 16.02.2014 às 22:28

Gostei :) palavras bonitas as tuas. Por vezes, também me ponho a pensar nisto... nos meus pais e no medo que tenho de os perder.
Beijinho

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